Apenas por pessoas de alma já formada

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Além

Abro os olhos. Não vejo nada. É tudo tão escuro! Onde estou? Não sinto meu coração pulsando. Nenhuma batida sequer. (Será o efeito do que você fez a mim?) Minhas pernas estão paralisadas. Não consigo me mover. Continuo a não ver um raio de luz sequer. Se eu fizer um esforço a mais e tentar andar, será que chegarei mais perto ou mais longe? (Mais perto ou mais longe de quê, afinal?) Ah, some escuridão! Eu não estou pedindo. Estou mandando. Faça-me ver algo, porque essa cegueira momentânea é incômoda demais para quem não sabe onde está ou que está acontecendo.
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- Não vá!
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Eu conheço essa voz. É você? Mas ainda não enxergo um palmo à minha frente. Como posso saber? Eu ainda ouço. Ao menos isso ainda sou capaz de fazer. Ouço sua voz ao longe. Onde está você?
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- Desculpa esse burro. Desculpa tudo o que eu fiz você passar. Eu sei que você pode me ouvir. Não faz isso comigo!
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De repente, sinto uma pontada no coração e sinto-o batendo, ainda que fraco, praticamente sem força alguma. Ele voltou a bater. O meu coração. Batendo de novo (ainda que fraco) pelo burro que agora me pede perdão. É, é com você mesmo que eu estou falando. Você me fez sofrer tanto! Quase desejo voltar no tempo para não pedir tão veementemente que eu veja algo na minha frente. Não quero que os meus olhos se iluminem, porque não quero que eles vejam você. O coração de certo voltaria a bater forte e não quero que ele volte a desperdiçar meu tempo com quem não merece. Sinto uma mão afagar meu rosto.
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- Eu te amo.
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Agora segura minha mão.
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- Eu te amo muito mais do que você imagina. Não vá embora sem me dar a oportunidade de te dizer isso.
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Ah, a vontade que tenho agora é de gritar. E grito. "Tira essa mão de mim! Você não tem direito nenhum de fazer isso comigo. Não quero ouvir mais nenhuma de suas mentiras!" Mas não consigo fazer minha voz ecoar. Por mais alto que eu tente, parece não ser suficiente. Percebo que assim como meus olhos não veem e minhas pernas não se mexem, eu também não consigo falar. Nem um sussurro sequer. O que está acontecendo? A dor da impotência é grande demais. Eu pareço estar presa, mas onde? Até que vejo uma luz. Clara demais no meio dessa escuridão. E meus sentidos voltam. Eu não tento falar, mas tento andar e consigo. Da mesma forma como agora consigo ver, eu ando. Ando em direção à luz. (Eu preciso ver o que há depois da luz e, o mais importante, eu quero ver!) A cada passo que dou meu coração bate mais lento. E a voz? Quase não a ouço mais.
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- Enfermeira! Enfermeira! Liah, não faz isso comigo! Não me abandona! Enfermeira!
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E o fim chega (ou seria o começo?). Meu coração pára, eu atravesso a luz e me despeço. Meus olhos se abrem uma só vez e não mais se fecham. Você olha nos meus olhos. Mas não sou mais eu. É apenas o meu corpo. Eu já fui embora. Mas de alguma forma ainda senti, no meu último segundo de vida, sua lágrima quente no meu rosto e o gosto salgado dela nos meus lábios, quando você, um último beijo, me deu. O nosso último beijo. O único gesto seu de adeus que minha alma foi capaz de sentir. Eu me uni à claridão eterna. Desapareci. E você eu nunca mais vi. Meu paraíso. Seu inferno. Meu único jeito de me perder de você.
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posted by mente inconstante at 13:50 8 comments

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Submersa

Espero um elevador que não vem. Demora demais. Não aguento a espera, então pego as escadas. Desço correndo os degraus entre o sexto e o primeiro andar. "Boa tarde!", digo ao porteiro. "Boa tarde, senhorita!", ele me responde de volta. Quando coloco os pés para fora do prédio percebo que começa lentamente a chover. "Droga!", eu digo a mim mesma, puxando o capuz de meu salvador: o casaco que minha mãe insistiu que eu colocasse. "Que frio!", reclamo sozinha, grata à preocupação exagerada de minha mãe. Automaticamente ponho as mãos dentro dos bolsos de meu salvador e atravesso a avenida. O mar parece agitado. O mp3 está devidamente coberto. Não será danificado pela chuva mesmo que ela se intensifique. Então, começo. Faço o que sempre me ajuda a fugir do mundo. Corro. Sozinha graças à chuva que há pouco começou. Ao menos disso não posso reclamar. Preferia estar o mais sozinha possível, sem o risco de encontrar quem quer que fosse para atrapalhar minha solidão. Já havia me alongado o suficiente em casa (prefiro me alongar em casa), então, sem receio, começo. Um, dois, três, quatro... Conto metalmente o ritmo de meus passos corridos e aos poucos meus pensamentos se perdem na contagem. Vagam para bem longe dali. A música parece não ser distração suficiente. Meus pensamentos insistem em correr para o mesmo assunto. Aquele de ontem, de hoje, de sempre: você. Seu rosto vem à minha mente e meu coração acelera ainda mais. A corrida passa a não ser mais sozinha o motivo de meu acelerado batimento cardíaco. Inspira, expira, inspira, expira. Meu Deus, é apenas um pensamento. Ele não está aqui realmente. Acalma coração! Inspira, expira, inspira, expira. Um, dois, três, quatro... dez... vinte... trinta... Volto à contagem, mas, de repente... o que é isso? Meus pensamentos se perdem novamente. Meu rosto está úmido?! Tenho certeza de que não devia estar assim. Quase não transpiro, porque a brisa fria me impede. No entanto, ainda assim, sinto água em meu rosto. O capuz de meu casaco parece não estar sendo suficiente. A música em meu mp3 muda para uma mais lenta e, então, percebo. Não é a água da chuva, nem meu suor, e, sim, as lágrimas de meu choro, abafado pela música de meu mp3, que molham meu rosto. Ah, a saudade! É por isso que agora choro. Tanto tempo se passou, mas ainda sinto sua falta, meu amor. Se você não estivesse longe, com certeza, estaria ao meu lado, agora, com aquele sorriso que sempre iluminou meu dia, contando de certo uma daquelas piadas bobas que eu sempre odiei ouvir. Mas agora até delas eu sinto falta, porque tudo em ti, porque tudo que você fazia ou dizia me provoca uma falta danada. Como eu sinto tua falta, meu amor. Sei que estou sendo repetitiva. A corrida definitivamente não está surtindo o efeito desejado. Eu não consigo parar de pensar em você. Ainda não superei a nossa separação. Dói menos, é claro. O tempo tem desses truques. Faz a gente se acostumar com a dor. Essa dor que nos últimos meses foi minha companhia constante. Essa dor que já me trouxe tantas lágrimas... Desisto! Abandono o calçadão e corro em direção à praia. Desligo o mp3. Tiro os fones de ouvido. O barulho das ondas misturado com o da chuva e do vento frio é bem melhor que as músicas de meu mp3. Correr na beira da praia é bem melhor que no calçadão também. Um, dois, três, quatro... dez... vinte... De repente, paro para fitar o mar. O sol estaria se pondo no horizonte agora, se o dia não estivesse tão nublado. Olho ao meu redor. Tão poucos na praia. Então a ideia. "Eu não posso fazer isso", digo a mim mesma, tentando reprimir o impulso. Vai me causar um resfriado de certo. Tiro o casaco junto com o mp3. Ele, o mar, me chama. Não consigo ignorar. O vento cessa. O mar se acalma. É um convite. Nada mais penso. Apenas tiro meu tênis e minha calça de corrida. Eu estou de biquini por baixo, mas não tiro a camiseta, apenas a calça e entro. Água fria. Fria demais. Mas com o tempo o corpo se acostuma com a temperatura baixa. Posso quase ouvir os berros de minha mãe ao ver essa cena. Posso quase ouvir os seus risos, meu amor, orgulhoso de minha ousadia. E agora eu posso quase ver minha libertação um dia. O por do sol se mostra fraco no meio de tantas nuvens. Eu, por fim, fujo. Eu não sou eu. Eu sou apenas uma garota no mar observando o sol se por. Sem sofrimento, sem dor, sem amor. Eu não sou eu. Eu sou a flor que insiste em florescer em meio ao estrume. Eu sou o por do sol em meio às nuvens de um dia nublado. Eu fui a garota que morreu afogada admirando um por do sol que não existia. Eu não sou mais. Eu apenas fui. Fui o que jamais vou ser novamente. Eu não nadei. Não tentei. Eu simplesmente desisti. Quando a correnteza é forte demais, fica difícil achar um caminho de volta. Eu não dei "adeus". Eu simplesmente sumi.
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posted by mente inconstante at 10:00 10 comments