Apenas por pessoas de alma já formada

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Na porta

Estava no meio da faxina, tentando conciliar vassouras e panelas. Já passava das 11h e o ronco do estômago começava a soar baixinho. Meu visual, alías, estava péssimo. Franja grudada no suor da testa, cabelos presos no coque improvisado, short velho manchado (era para ser preto, já não sei qual é a cor). No topo, só o sutiã antigo, renda rasgada. A campainha toca. Pego a primeira camisa que vejo pela frente: dele. Chinelos: 42. Não são meus. Atendo no terceiro toque. Era ele. O dono da camisa, dos chinelos e do meu coração.
- Oi. - digo de repente sem palavras. A panela de pressão grita escandalosa na cozinha. Ele diz a que veio:
- Vim pegar minhas coisas.
Ah!
- Claro. Pode entrar. - finjo que já esperava por aquele momento. Não esperava. Ele faz uma muda das roupas que mantinha em meu apartamento mais uma tonelada de outras coisas (cds, dvds, creme para barbear, desodorante). Eu apenas o observo. Ignoro a cozinha barulhenta. Ofereço ajuda, ele recusa. Dentre sua arrumação, sobra a camisa que visto e os chinelos que desengonçadamente calço (meus pés 36 tentando se encaixar no 42 dele). Seus olhos reclamam o que visto. Retiro, então, antes mesmo que ele peça em voz alta, os chinelos; por fim, a camisa. Deveria me sentir envergonhada de ficar apenas de sutiã na sua frente? Não há nada ali que ele já não tenha visto antes. Mesmo assim, ele me fita como se eu fosse a única mulher na face da Terra. Pela primeira vez, desde que chegou ali os olhos dele encontram os meus. Que saudade daquele olhar! A panela de pressão agora faz um barulho como se fosse explodir e destruir a casa inteira. Abandono aquele olhar que ele me lança, porque não quero perder a cozinha, mas temo que perdi o momento de nossa possível reconciliação. "Se não era para acontecer, então não vai ocorrer de qualquer maneira.", penso, tentando expulsar o arrependimento. Desligo o fogão. Coloco as panelas de lado, dando tempo para respirarem. Quando abandono a cozinha para resgatar o momento perdido, noto que ele não está mais no quarto e sim sentado em meu sofá. Tem um olhar cheio de receios. Então, chegou finalmente a hora de conversarmos, sem gritos, só pesares. Não sei que rumo aquele papo vai tomar. Eu não quero que acabe, mas não ouso dizer em voz alta. Só espero que leia em meu rosto. Minha expressão diz tudo.

(continua)
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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Resiliência

Está machucado. Não pode tocar. Caso contrário piora e dor assim quando piora é aguda. Duro demais de aguentar. É preciso analgésico e eu não tenho prescrição para tanto remédio. Sei que a vontade de tocar, coçar, arranhar é grande, mas não vai ajudar. Tem que deixar quieto. Curar sozinho é a melhor solução. É que eu ainda não encontrei a cura certa. Que seria um outro alguém talvez? Para apenas assim me fazer esquecer. O ferimento maior está no coração. E ele é meu.
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terça-feira, 19 de abril de 2011

(não) Sou

Sou noite sem luar. Guio-me pelo instinto primitivo de fazer tudo de acordo com os sentimentos ocos que já não batem em mim. Tateio caminhos novos com pés calejados. Deixo um rastro de sangue que não vejo, já que não enxergo coisa alguma. O escuro é infinito e eu sou escuridão. Sinto cheiro de sal. O mar está próximo e sei que só vou ter certeza quando me afogar. As ondas são fortes e não me atrevo a combatê-las. Se esse for o meu destino, entregar-me-ei sem reagir. Já caminhei muito para ousar ir mais longe. Já não há fôlego para


fugir.
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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Boba da corte

Fui sua bailarina por muito tempo. Cegamente acreditava que era realmente assim que você me enxergava. Pura ilusão. Descobri na realidade que eu não passava de uma palhaça em seu picadeiro e isso custou-me as asas. Sim, eu era uma bailarina que voava, tudo para alcançar seu amor. E meu soldadinho de chumbo nada mais era que um sapo disfarçado de príncipe que de encantado nada tinha. Nunca teve. Mas em terra de cego quem tem olho é rei e você vendou meus olhos por muito tempo. Pensei que eram raios solares a luz do luar. Tolamente. Mas houve uma promoção com o passar dos anos, de palhaça à boba da corte. E não era tudo o mesmo, só mudava o nome? Um beijo para transformar o sapo. Nem com o melhor feitiço. O sapo nunca teve sangue azul.


para quem não conhece.
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domingo, 10 de abril de 2011

Acne

Há uma espinha em meu rosto, incomodando meu sono. Não está me fazendo nada bem, mas se eu ousar retirá-la dali, irá doer de certo e pode vir a deixar uma marca profunda demais para mim que odeio rompimentos. Sabe deus quanto tempo levarei para me recuperar dela. É melhor deixá-la onde está. Mesmo me fazendo tão mal. Há medo dentro de mim e não sei sequer se tenho força para terminar. Com a espinha, eu quero dizer. É sobre a espinha que eu estou falando. Já me acostumei com ela, pior. Mesmo me machucando como por vezes faz. Que dilema esse que passo agora. Ela nem é tão maléfica assim. Será que aguento não mexer nela por mais tempo? Ou termino logo de uma vez por todas? Um dia precisarei enfrentar essa dor. E não será a última em minha vida. O que não é um conforto. Coitado do meu coração. Digo, pele. É sobre a espinha que eu estou falando, não é?
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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Chá das cinco

Quero ir a teu encontro. Sentar na tua frente. Contar tudo que me aflinge desde que você se foi. O quanto me preocupo que esteja bem. O quanto me machuca a saudade que seus beijos, sorrisos e abraços me deixaram. Mas tenho medo. Receio que eu fique ainda pior depois disso. Quero uma solução para a dor que sinto, mas não há remédio para esses tipos de males. Nem o tempo cura. Só ameniza. Nunca pensei que a saudade me machucaria dessa forma. Eu queria tanto parar de pensar em você. Não consigo. É tudo o que tenho. E sem isso não possuo mais nada.


meu diário também.
posted by mente inconstante at 08:32 2 comments

domingo, 3 de abril de 2011

Água doce

Eu queria mergulhar na tua presença. Eu que lutei tanto para não me afogar nela, agora quero voltar a nadar nos teus limites. Naqueles limites que nunca ousamos atravessar, lembra? Você não sabia nadar. Ou não queria. O que você não entendia é que era eu quem nadaria por nós dois. Eu só queria tua permissão para arrastar-te por aí e te mostrar as belezas do mundo que você andava perdendo por estar com os olhos vendados. Agora já é tarde. O mar secou e tudo que me restou foi o gosto salgado das tuas águas. Talvez o gosto seja apenas de minhas lágrimas. Quando estávamos juntos o teu oceano era composto de água doce. Por isso me viciei tanto.
posted by mente inconstante at 17:36 4 comments